sexta-feira, 6 de maio de 2016

Trabalho Infantil: O drama de quem tem que deixar a escola


Trabalho Infantil: O drama de quem tem que deixar a escola
“Eu queria muito continuar estudando, mas em abril eu completo 15 anos e fico fora do programa. Aí, o jeito é voltar pra pedreira. Fico triste também porque não vou ver mais os amigos” (Alex Barreto da Silva, estudante da 4ª série do 1º grau em Conceição do Coité). “Antes, eu só sabia quebrar brita e mal mal lia algum texto, hoje eu aprendi a ler, gosto de matemática e aprendi a bordar, fazer croché e boneca de pano graças ao vale. Só que fiz 15 anos em junho e não posso mais continuar no programa, por isso voltei a quebrar pedra” (Maria Rosa de Jesus, está na 5ª série do 1º grau em Retirolândia). “Eu não queria voltar para o sisal, não vejo futuro aqui, mas fiz 15 anos em setembro e fiquei fora do programa” (Erivelton Silva de Jesus, estudante da 6ª série em Santa Luz). “Tenho 16 anos, passei da idade de entrar nesse programa, e sou meio cabeça dura para estudar. O jeito é continuar fazendo tijolos aqui na olaria” (Carlos Santos da Silva, 3ª série, em Conceição do Coité).


José Bomfim

O que não falta nas crianças e adolescentes da região sisaleira baiana é vontade de estudar. A prova disso é o sucesso do Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) que, desde 1996, quando foi implantado, beneficiou 33.260 crianças na Bahia e, atualmente, assiste a 15.276 famílias, em território baiano. O problema é que o adolescente, ao completar 15 anos, está automaticamente excluído do programa e torna-se um egresso, retornando ao trabalho estafante e sem futuro na pedreira, no sisal ou na olaria. Nesses quatro anos, são mais de 2.500 os egressos.
  Amargura, revolta e indignação marcam o momento da despedida obrigatória. Em muitos casos, o menino ou a menina entrou no Peti quando já tinha 13 anos e, ao começar a realizar seu sonho de aprendizado, estoura a idade limite. “Nesse caso, nós plantamos esperança e colhemos desespero”, afirma Naidison Baptista, secretário executivo do Movimento de Organização Comunitária (MOC), uma Organização Não-Governamental (ONG) fundada há 33 anos, especialista na capacitação de recursos humanos na área rural e na periferia urbana de Feira de Santana e em mais 30 municípios do semi-árido baiano.

Peti

  Na Bahia, o Peti atende a 17 municípios da Região Sisaleira, considerada a mais barra pesada do estado em termos de exploração do trabalho infantil. O programa está em Araci, Conceição do Coité, Nordestina, Queimadas, Retirolândia, Santa Luz, Quijingue, São Domingos, Valente, Mirangaba, Ourolândia, Umburanas, Várzea Nova, Ichu, Nova Fátima, Pé de Serra e Riachão do Jacuípe. Além do MPAS, estão na gestão do programa a Setras, as secretarias municipais de Assistência Social e a Comissão Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (Competi).
  A comissão é formada por mais de 30 órgãos do governo e de entidades, instituições e ONGs. Os recursos do programa vem do MPAS, da Setras, das prefeituras municipais e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). O presidente da comissão, o economista Frederico Fernandes, assessor especial da Setras, informa que, além da educação formal básica, as crianças contam com a Jornada Ampliada, que promove atividades extraclasse voltadas para o reforço escolar, o lazer, a cultura e os esportes, garantindo o atendimento integral (inclusive com três refeições diárias) e evitando que a criança use o tempo livre para retornar ao trabalho.

Recursos

  Todos que compõem a comissão estadual são unânimes em afirmar a necessidade de ampliar a idade limite para amenizar o problema dos egressos. “Do contrário, não passará de uma paliativo”, acentua Iara Farias, oficial de Direitos do Unicef. A Competi levou a proposta de ampliação de 7 a 16 anos para Brasília. O problema é financeiro. Para assegurar a permanência da criança na escola, o Peti criou a bolsa-escola, que concede R$ 50 mensais por estudante, até o limite de seis filhos, às famílias que mantenham os jovens estudando.
  Desse valor, R$ 25 são repassados à família e R$ 25 à prefeitura municipal para a manutenção das crianças na Jornada Ampliada. O pagamento da bolsa está condicionado à freqüência escolar, que não pode ser inferior a 80% das aulas e das atividades da Jornada Ampliada. Para aceitar a proposta da Competi o governo, por intermédio do MPAS, terá que abrir os cofres e destinar mais recursos para o programa.
  Os recursos envolvem também a capacitação dos profissionais. O MOC e o Unicef foram os primeiros a assinar um convênio para integrar as famílias ao Peti. O projeto, chamado agentes de família tem o objetivo de esclarecer para os pais porque é melhor o filho estudar, em vez de trabalhar. Os 155 agentes são voluntários, que recebem R$ 30 como ajuda de custo. O dinheiro é levantado pelo MOC e pelo Unicef. Na capital, a capacitação profissional fica sob a responsabilidade do Projeto Axé. As pesquisas estão a cargo das universidades Federal da Bahia e Estadual de Feira de Santana. A ONG Cipó Comunicação Interativa é uma das responsáveis pela divulgação.

51 milhões passam fome em todo o país

  Os depoimentos desses adolescentes revelam também a situação de pobreza e desigualdade social que permanece intocável no país. Cerca de 4,5 milhões de crianças brasileiras de 5 a 14 anos de idade trabalham. O Brasil entra no novo século com 51 milhões de habitantes, do total de 150 milhões, passando fome, sem renda que atenda às suas necessidades básicas e passando por humilhação. Dez milhões de famílias brasileiras vivem durante um mês inteiro (a renda per capita) com, no máximo, R$ 80.
  Em dezembro, a Comissão Mista Especial sobre a Pobreza (no Congresso Nacional) anunciou novos cálculos sobre a pobreza no Brasil: são 24 milhões de pessoas vivendo com menos de R$ 40 por mês. A comissão concluiu que, para acabar com o problema, é preciso investir R$ 4,5 bilhões por ano, durante dez anos. Segundo a comissão, a pobreza pode acabar se o governo investir 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB), ou mais ou menos R$ 30 bilhões, uma quantia que significa apenas um terço do que foi gasto em 1999 com o pagamento de juros da dívida pública.
  Enquanto isso não acontece, associações, Organizações Não-Governamentais (ONGs), sindicatos e outros entidades vão substituindo o Estado e oferecendo serviços sociais a milhões de carentes. Em alguns casos, o Estado associa-se ao terceiro setor, um exemplo disso é o Peti, que tem a gestão do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), de organismos públicos e de ONGs. Em outros casos, a parceria é bem diferente. O Programa Bode-Escola ilustra isto. Antes de o Peti existir, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Retirolândia (a 220 Km de Salvador) fez um projeto – autoria do seu atual presidente, Noé Carneiro – e entrou em contato com os suíços da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Estava criado o Programa Bode-Escola.

Bode-Escola dá suporte às famílias

  O resultado dessa parceria hoje dá excelentes resultados. O sindicato doa às famílias cabras e bodes - a quantidade de animais depende da dimensão da propriedade, mas a média é de três cabras e um bode - que, em troca, mantém seus filhos menores na escola, tirando-os do trabalho. “Com isso, o agricultor passa a ter leite gratuito, tirado das cabras, e em pouco tempo terá um rebanho, pois a cabra pare duas vezes ao ano, normalmente gêmeos”, explica Noé.
  No final do ano, o agricultor entrega metade do rebanho ao sindicato, para que a entidade mantenha o projeto. O engenheiro agrônomo Orlando Sampaio de Melo, com salários pagos pela OIT, faz o acompanhamento diário, atento para evitar que os animais adoeçam e ensinando aos agricultores como aumentar a produção de leite e aproveitar melhor a carne dos bodes que são abatidos mensalmente. Hoje, na região sisaleira, caminham de mãos dadas o Bode-Escola e o Peti. Pelo resultado alcançado com o Bode-Escola, Retirolândia foi escolhida para iniciar o Programa Bolsa-Escola do Peti, em 96.
  Mesmo com os resultados positivos - entre 1993 e 1998, o número de crianças que trabalha caiu de cerca de 20% para 15% da população infantil - nunca é demais lembrar que a situação não é das melhores: embora 900 mil crianças de 10 a 14 anos tenham ficado livres dos riscos de mutilação em máquinas de sisal, doenças de pulmão em carvoarias e olarias e ferimentos em pedreiras, ainda restam 2,5 milhões de crianças sendo exploradas no trabalho infantil, em todo o país.

Erradicação começou em 95

Há alguns anos, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) condenaram o trabalho infantil, considerando-o um trabalho escravo, e convenceram a maioria dos países a assinar tratados e convenções. Os governos brasileiros assinaram todos, mas só quando foi formado o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil é que começou a haver uma virada na história. Em 1995, o fórum elaborou o Programa de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), visando solucionar o problema em São Paulo, no setor de fabricação de calçados; Mato Grosso do Sul (extração de carvão); Pernambuco, na cana-de-açúcar; Sergipe, plantação de laranjas; e na Bahia (sisal, pedreiras e olarias).
  Na região sisaleira, antes disso, já havia uma mobilização para acabar com o trabalho infantil, ressalva Naidison Baptista, lembrando que os pioneiros, em 1993, foram o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Retirolândia e o Movimento de Organização Comunitária (MOC), em convênio com a OIT. Feitas as parcerias com o Unicef, governos federal, estadual e municipais e com diversas entidades, formou-se a Comissão Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (Competi). “Um belo exemplo de democracia é esta comissão, onde os assuntos são debatidos e as decisões tomadas de forma paritária”, afirma Cesare La Rocca, presidente do Projeto Axé.
  Naidison Baptista e Iara Farias também elogiam o trabalho da comissão. Nos municípios do sisal os sindicatos de trabalhadores confirmam. “Ninguém precisa ser cooptado pelo governo, nem o governo prec
isa seguir o discurso ideológico dos sindicatos. O objetivo é a parceria para alcançar um resultado positivo contra essa excrescência que é o trabalho infantil”, reafirma Cesare La Rocca. O Axé, que vai completar dez anos de fundado em 1º de junho, forma recursos humanos, junto com o MOC, para a erradicação do trabalho infantil.
Alunos: Kailan, Micheli, Misael e Rubiana

Nenhum comentário:

Postar um comentário